Numa manha cinzenta, o sol espreitava sobre as nuvens. Os raios entraram pela janela e com a sua luz brilhante acordaram-me. Mal consegui abrir os olhos, virei-me para o outro lado e voltei a adormecer. Entretanto, tocou o despertador e com salto abrupto saí da cama. Não queria acreditar, mas ia treinar judo com o Paulo, que era a figura principal do nosso clube, não só por ter ganho tantas medalhas mas também por ser Campeão Europeu. O Paulo vivia no outro lado da cidade; era alto, musculado e trazia sempre consigo um sorriso; ele era muito bem disposto.
Ao chegar ao clube o Paulo já estava a treinar e quando me viu sorriu-me e disse que ia ensinar umas técnicas novas que tinha aprendido na Bulgária onde tinha ganho mais uma medalha de ouro.
Fiquei todo contente e lá fui para o tapete apreender. No treino seguinte o Paulo não estava e pensei que se tinha atrasado. Esperei mas ele não apareceu e, continuou sem aparecer. Nunca mais apareceu.
O tempo foi passando e já os dias eram longos e quentes quando ao entrar no ginásio me deparei com ele. Fiquei estupefacto com o que vi. Ali treinando com os outros, estava o Paulo, mas actuando de uma forma diferente. Intrigado tentei saber o que se passava. O Paulo estava cego mas ninguém sabia explicar o que tinha acontecido.
No final do treino abordei-o, não falou em nada mas senti que não tinha perdido o gosto pelo judo e pelo contrário tentava colmatar as suas dificuldades da sua deficiência com a força de vontade inabalável que nele era já característica.
Dia após dia, os progressos do Paulo eram visíveis.
O dia da competição chegou. Era um momento difícil. Todos sentíamos o peso da responsabilidade.
Procurei chegar mais cedo, não só para não perder nada da prova, mas especialmente para estar com o meu amigo e dar-lhe uma palavra de incentivo. Era bom que ele sentisse que todos torcíamos por ele naquele momento e que acreditasse não só que era capaz mas que era o melhor.
Assim foi, combate após combate ele foi vencendo os seus adversários até chegar ao derradeiro momento. Na bancada nós sofríamos tanto ou mais que ele.
O Paulo venceu superando tudo e todos. Esta viria a ser uma das muitas vitórias que se seguiriam. Foi com grande alegria que o vi estabelecer um novo objectivo. Chegar aos Jogos Paralímpicos era a meta traçada.
A partir desse momento o afinco do Paulo nos treinos ia até a exaustão. Uma vez mais o tempo passou e o grande momento chegou.
De manhã quando abri os olhos devagarinho e vi o sol entrar a jorros através das frestas da janela, pensei que bom! Tudo parece colaborar para que seja um dia memorável.
Desta vez, na nossa frente tínhamos um Paulo diferente, mais seguro de si. Todos sabíamos que o desafio era grande, mas conhecendo-o como o conhecíamos, sabíamos que estava à altura desta exigência.
O recinto estava lotado e o entusiasmo era contagiante. No tapete o Paulo combati-a pela última vez. A luta era renhida. E só no momento final, o Paulo executa uma técnica chamada “ippon” e o arbito dá o combate por terminado e a vitória ao nosso companheiro.
Não cabíamos de contentes e todos o quisemos felicitar. Para mim a vitória do Paulo, não só a nível desportivo como a nível pessoal, constitui um marco.
Foram muitos os ensinamentos que pude retirar: saber enfrentar as dificuldades que a vida nos apresenta sem nunca desistir, foi um deles.
Ainda hoje penso, que gostaria de saber como ficou cego, pois ele nunca tocou no assunto.
domingo, 28 de setembro de 2008
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